domingo, janeiro 21, 2007



'Sometimes, though not often, he had dreams, and they were more painful than the dreams of other boys. For hours he could not be separated from these dreams, though he wailed piteously in them. They had to do, I think, with the riddle of his existence. [...] He had one of his dreams that night, and cried in his sleep for a long time, and Wendy held him tight.'

J.M. Barrie, Peter Pan, XIII; XV.
A noite aprofundava as mãos nas trevas e Ulisses era como um grande fugitivo ou até como um velho timoneiro sem rumo deixado à violência de um clima atroz. No frémito do imutável oceano aquele mortal confundia o tempo e no interior da dor condenava e amaldiçoava todas as imagens que durante a vida guardara dentro de si. Naquele dia recordou o balouçar dos bancos nos jardins sozinhos ao entardecer, recordou o tempo em que todo um exército de palavras e novas ideias o abandonara sem amparo para uma poesia morrente. para uma poesia cujo ofício era o de morrer. e pensando nisto, caminhando sem sonhos, sem ideias e no escuro, subia as mãos ao céu enraivecido por uma dor coronária e intransponível.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Negros eram aqueles dias. Dias de catástofres e de uma peregrinação que não se suspendia ou repousava sobre nada. Nenhuma suprema significação o sustentava, nenhuma visão incessante lhe guiava os horizontes. Nenhuma alma ou imagem o aprisionava para uma liberdade dentro do mundo. O mortal, na rigidez frágil da carne, estava onde boiavam tempestades sobre os oceanos cegos no vácuo dos ventos e na espuma das ondas para lá do esquecimento. Mas Ulisses, ao mesmo tempo que cerrava os dentes de dor, procurava com toda a sua força abrir os olhos para o vivo vento que se abatia sobre si. Com o corpo enrolado como uma concha tombada sobre a neve branca do areal, tinha os olhos inclinados para o chão como uma borboleta de asas fechadas no ciciar contínuo de existir: Pai, meu pai, porque me fechas os olhos?, perguntava. Os anjos tombavam e nenhuma aurora ou palavra luminosa lhe saía dos lábios agora tão amargos. Os cabelos de Ulisses eriçavam-se e na linguagem do silêncio o mortal gritava para o escuro caminhando por vazios de asas enormes, perdido de azul numa ternura desolada e talvez interminável. Pai, meu pai, dizia; que caminho recuado me teces quando cai a noite no meu rosto e dentro de mim chove sem nenhuma água me adormecer, quando nada, nenhuma palavra me consola e eu vejo o vermelho vivo de minha carne recuar, emagracendo para dentro de mim como um passo terrível para a morte? No centro daquela tempestade, Ulisses, a única criança que não crescia, dividia a paisagem com as mãos e repetia na cadência da respiração estas palavras brutas no caminho da memória e do frio. Nada o sustentava e o Filho do Homem começava então a ter sido feliz numa outra espécie de tempo, numa outra espécie de mundo, numa outra espécie de lugar.