quarta-feira, abril 25, 2007

incendiava o telhado de colmo do pequeno império que tinha até então criado. incendiava-o com a sua própria força na raiva da sombra e do cansaço. do cansaço que lhe queimava os ombros de veado e veludo. sabia de cor o tamanho da sua cidade. sabia de cor o tamanho do céu que em tempos tinha criado. mas agora, ao longe, agora, sentado na montanha ao entardecer, olhava deslumbrado o arder magnânimo dos telhados. no ar. era como um veado feito de rosas e escrito ao vento. também ele incendiado. na raiva. das mãos. violentamente deitado na indestrutível firmeza do mármore de dor que o perpassava. como um veado feito de gestos leves e cansados no pêlo sujo e ferido. estava de joelhos junto à cinza que lhe caía no rosto transpirado e as mãos tremiam-lhe ligeiramente. ninguém o ouvia. doía-lhe o cimo daquela montanha inteira na força de arder inclinado para o chão. doíam-lhe as crinas em fogo. os cavalos por cima do fogo aos clarões. doíam-lhe as aves no silêncio da pele, doía-lhe o desprender dos telhados em folhos e rendas muito brancas. doía-lhe aquele vento que o apunhalara apenas por trinta dinheiros. doía-lhe a criança, o pão ázimo de sua infância. doíam-lhe os dias do calor de sua mãe. dos dias em que ela lhe cortava o cabelo junto ao espelho. na luz minuciosa da manhã. doíam-lhe os joelhos. porque morria de dorso sangrado. doía-lhe o movimento do mundo. na saudade do cabelo cortado por sua mãe. na saudade do equilíbrio. doía-lhe a estranha claridade que agora dançava nas nuvens e no fumo. doía-lhe o fogo-fátuo da saudade. porque ele morria. na memória do baloiço vazio. na memória dos caminhos verdes de menino. dos grandes cisnes ao relento. na resina dos ramos, nas pétalas e no escuro húmido das folhas e das mulheres desabotoadas sobre a cama no calor da tarde. porque o principezinho morria. incendiado no poema. nos ramos que se quebravam para o suicídio na sombra das escarpas. na abandonada dor das paredes das casas despovoadas. na tristeza estéril do seu sangue que escorria em murmúrio para o chão.

domingo, abril 08, 2007



Lembro-me de haver aquele mar por baixo daquela casa deitada ao penhasco das águas e dos abismos. como magoava a tempestade e aquela luz total neste poema. os dois somos tão frágeis aqui dentro. magoa tanto ver o mar com a casa aos ombros na espuma e nos espinhos secos das ondas. lembro-me de sermos os dois tão frágeis aqui dentro. do relâmpago entre os lábios e o medo. magoa tanto. como se acendiam os pulmões junto às janelas que gritavas. de olhar para mim. violento. virado: o mar vem sobre nós, meu amor. o mar vem sobre nós. e eu lembro-me. de haver aquele mar por baixo de nós. de eu não te poder dar o degrau da palma da minha mão para escreveres o teu nome. de eu não poder chegar primeiro ao quarto. para te subir as persianas e adormecer junto ao teu sono no eco da distância e do cansaço. lembro-me do mar. de não conseguir estancar aquele sangue e de me sentir perdido. tão perdido na circulação louca de todos os compartimentos líquidos e frios como agulhas. lembro-me de haver aquele mar. aquela luz total. tão desfeita através dos ventos.