domingo, agosto 19, 2007



Os meus pais não sabiam. Ninguém poderia alguma vez saber que a mais árdua tarefa seria a de proteger-me de mim próprio. Na mansidão das pernas esticadas depois do amor, bocejam as luzes dentro do meu peito e se estou acordado durante o dia aguardo os passos mornos dos caçadores de animais. Não sabiam. Os meus pais não sabiam. que as folhas, as minhas folhas escritas de palavras e ramos acesos duram no azul da água onde a lua e os beijos se deitam longe de mim nas mulheres. não sabiam, não poderiam saber que sem querer vou-me apagando lentamente nas asas do escuro e que devagar mergulho no corredor imóvel. estendo os braços. será manhã? lembro-me de estar nu num quarto. nessa altura eu teria talvez dez ou onze anos. lembro-me de haver um pássaro. um pássaro amarelo nesse quarto. lá longe. dentro de uma casa que se curvava a pouco e pouco. e de haver só eu e aquele pássaro nas minhas mãos dentro do ar quente daquela divisão. será noite? será dia? rasgo os vidros nos dedos. cai o azul do céu espreitando o que as minhas páginas respiram. o meu nome? devagar separo os dias. esqueço. se me aproximo. se ardo. ao canto do quarto. se escolho os sonhos. daquele pássaro. sou nada e caio sobre as veias na asma dos dias.

quarta-feira, agosto 15, 2007






'Tão frágil e indefeso - não sabes andar, não sabes falar, não sabes pedir nada! Olhas para nós com uns olhos que não compreendem o que vêem. Mas ser-se indefeso é ter força e nós deitamos-te a salvo, no lençol. A salvo porque não conheces o medo e porque nós só precisámos de olhar para ti para sabermos que faremos tudo neste mundo para te proteger.'

(27 de Dezembro de 1981, Domingo)



Se chego então a casa deito-me junto à noite sem palavras ou ideias acesas. Nos meus olhos aguardo a água nas redes do escuro junto aos meus sonhos. Digo uma, duas palavras mansas que logo me esqueço sem porquê, sem qualquer razão que não seja a memória da alegria azul dos braços estendidos dentro do céu. Então deito-me. Vejo o tráfego todo de Lisboa nas pálpebras humedecidas pelo sono que pousa na minha cama como um pássaro raro. Não tenho caminho nem ideias. Devagar mergulho e se perduro caído no silêncio escrevo coisas ao acaso, lanço palavras mornas e que se inclinam sem querer para o meu silêncio.