Naquela noite o meu pai entrou em casa com um sonho nas mãos. ligeiramente suspenso, meticuloso e minúsculo na fragilidade animal de uma velocidade cheia de um amor imenso. porque era um amor imenso. era uma luz apavorada na carne húmida de um animal e uma paixão do tamanho de uma cidade, de um rosto plácido e paciente na terra ou de uma colina como um lento vestido ao vento. naquela noite o meu pai trazia um inexplicável pássaro ateado ao fogo do meu espanto na palma da minha mão. ainda hoje, ainda hoje quando durmo e se mexem os búzios de veludo nos navios dos meus sonhos arrastam-se o mar e as cidades pelas tardes e ruas dentro. ainda hoje, quando durmo permanece esta imagem. esta imagem que nem a terra ou o sal devora. um pássaro. um fogo inexplicável que abriu sobre mim um céu que ainda hoje aprendo. porque era um fogo pequeno, era um pequeno e suave fogo, penso. um pequeno fogo como uma sarça que ardia e se renovava nas tuas mãos, pai. hoje digo: nunca mais. e penso: jamais podererei esquecer aqueles passos apressados pelo soalho dentro, a porta que ainda se fechava. e eu a ver-te. neste momento, no intervalo aberto pelas palavras. e eu a ver-te pai. trouxeste-me aquele pássaro. um pássaro perdido, um pássaro encontrado. e os meus olhos quando sem dormirem se abrem no espaço ausentes e pensam oscilando na ternura, ainda hoje exalam terras movediças debruçados naquele momento aberto num gesto hoje talvez embaciado pela história. um gesto de animais que cuidavam de animais no calor dos dedos. dizendo, amo-te, amo-te. amo-te no rumor da vida. por sermos irmãos no calor das bocas. da comida que se misturava no corpo. tão frágil. naquele ser que num só sopro, num instante iluminado é ainda hoje o mesmo ser. um só lugar. tão dócil.
sábado, julho 22, 2006
Naquela noite o meu pai entrou em casa com um sonho nas mãos. ligeiramente suspenso, meticuloso e minúsculo na fragilidade animal de uma velocidade cheia de um amor imenso. porque era um amor imenso. era uma luz apavorada na carne húmida de um animal e uma paixão do tamanho de uma cidade, de um rosto plácido e paciente na terra ou de uma colina como um lento vestido ao vento. naquela noite o meu pai trazia um inexplicável pássaro ateado ao fogo do meu espanto na palma da minha mão. ainda hoje, ainda hoje quando durmo e se mexem os búzios de veludo nos navios dos meus sonhos arrastam-se o mar e as cidades pelas tardes e ruas dentro. ainda hoje, quando durmo permanece esta imagem. esta imagem que nem a terra ou o sal devora. um pássaro. um fogo inexplicável que abriu sobre mim um céu que ainda hoje aprendo. porque era um fogo pequeno, era um pequeno e suave fogo, penso. um pequeno fogo como uma sarça que ardia e se renovava nas tuas mãos, pai. hoje digo: nunca mais. e penso: jamais podererei esquecer aqueles passos apressados pelo soalho dentro, a porta que ainda se fechava. e eu a ver-te. neste momento, no intervalo aberto pelas palavras. e eu a ver-te pai. trouxeste-me aquele pássaro. um pássaro perdido, um pássaro encontrado. e os meus olhos quando sem dormirem se abrem no espaço ausentes e pensam oscilando na ternura, ainda hoje exalam terras movediças debruçados naquele momento aberto num gesto hoje talvez embaciado pela história. um gesto de animais que cuidavam de animais no calor dos dedos. dizendo, amo-te, amo-te. amo-te no rumor da vida. por sermos irmãos no calor das bocas. da comida que se misturava no corpo. tão frágil. naquele ser que num só sopro, num instante iluminado é ainda hoje o mesmo ser. um só lugar. tão dócil.
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