sábado, dezembro 03, 2005


Inspirados os dias repentinos, é de noite que se desapertam as minhas veias dentro de uma água negra e cheia de sonhos como grandes pássaros que se soltam frios para o meio do céu. Isto enquanto resplandesce o trânsito lá em baixo, ou a cidade ao longe. como um tigre que sem sonhos se aprofunda num movimento cinzento e florestado de um cimento imenso. e fechado. no meu coração há uma ideia que me lavra e se deslumbra como uma mulher num coral de nervos enrolados para a morte no meu corpo inteiro. Aqui, eu não falo com ninguém mesmo quando me arranco de mim próprio para o que é de alguma forma ser eu. para ser eu assim, desdobrado como um braço que se flecte sobre o chão doloroso e nu. numa fenda, de mim para mim abre-se então um sussurro e todo um quotidiano terrível brilha nos álvéolos desta casa torrencial. desta casa em turbilhões de memória na sucessão do tempo. porque lá em baixo, porque em mim irrompe aquela renda ou o leite pelos quartos justapostos numa loucura expelida pela força negra da água. pelos precipícios do céu. nos corredores, nas avenidas, na minha camisa que se apoia nesta espécie de luz que é pensar-te assim. assim enrolada numa ternura que encadeia. que se ateia. implantanda numa lágrima que podia explodir. que podia explodir. que podia explodir na dança de te respirar larga por dentro do tráfego doido do luxo e do espaço. e da arte. por dentro dos teus sonhos, fulgurando pela tua testa numa massa de uma carne muito frágil onde o dia se respira finamente, engolfado por uma doçura húmida como lá fora, à chuva, os passos passam numa indiferença aplicada e amorosa pelos dias e pela noite.