sábado, março 18, 2006


Lá fora chovia. Tinha chovido toda a noite. Bastian lembrava-se bem dos dias em que o seu pai e a sua mãe dormiam pela manhã dentro num quarto inventado por uma casa que ecoava pelas paredes. O relógio batera agora mesmo as onze horas. Um tremor ofegante agitava o corpo esquelético daquela criança numa tosse quase arquejante e antiga. Yor tinha desaparecido. Bastin deixou-se cair no chão. Era como uma criança velha e sombria, como um peito cansado mas lavado por uma chuva tão átona como todo o silêncio do mundo. e enquanto as suas forças se esgotavam nasciam ali imagens cheias de sangue num uivo longo e aterrador. se fosse numa pintura seria uma criança fechada num quarto. se fosse numa pintura, mãe, seria aquela mulher de cabelo grisalho que eu via quando todas as manhãs ela passava pela rua. todas as manhãs aquela mulher passava por mim, mãe. todas as manhãs ela passava por mim sem olhar para trás. até que um dia me disse 'bom dia'. se fosse numa pintura seria esta a imagem. um autocarro que partiu sem mim. a palavra 'amo-te' no sofrimento dela ser a confirmação de uma impossibilidade. 'amo-te', chorava a criança. amo-te naquele sótão, naquela janela de águas-furtadas de onde se via sem nunca se tocarem outra janela. amo-te. e esta palavra dizia-se separada. amo-te. amo.te