quarta-feira, agosto 23, 2006


rasgado o vidro, ao avesso do rio das sombras e da noite acendiam-se ainda os dedos do coração na ternura de uma simplicidade desocupada. feita de trapos azuis. de pés descalsos. junto à terra. junto à terra e com o coração inclinado para o rumorejar das plantas. arrancadas das mãos. de uma enxada que pouco a pouco se mistura com os gestos. de te fazer crescer, terra. terra tão próxima da pele, numa nudez tão azul como os teus olhos. por dentro da memória total que é tudo esquecer, e nisto, eu ser esquecido pela erva ao vento. morto no silêncio. rasgado no vidro. pouco a pouco talvez eu ainda ali esteja. guardado naquele coração espesso. escondido, guardado numa casa com as paredes feitas de uma paz deitada junto à serra que de noite respira uma Covilhã e brilha devagar na ternura bruta da terra. de uma terra avessa ao rio das sombras. de uma terra que cresce na minha distância. esta distância. de duas palavras. eu e tu. no rumor da cidade. esta distância sem peso. nas cinzas que as asas dos pombos trazem. na distância paralela ao tráfego. de. de repente respirar. eu. esqueço.te na dor, terra. através da cinza. da minha cinza. dos meus escombros. com os olhos queimados e o torso branco muito dobrado sobre o peito. oculto. apagado. apagando mais palavras. suplicando. como se perde a dor. o encontro. ou o poema. para sempre.