sábado, janeiro 21, 2006


Fora do jardim está o meu escritório com a minha vida caída e arrumada numa extensa mesa. Aí não crescem as altas árvores ou o viço dos frutos luzidios. Nem amadurecem as pêras, nem os cachos uns sobre os outros na violência esmagadora da candura natural e lenta do mundo. Fora do jardim tudo é aquele sotão morto por entre as ondas naquele instante em que morri por me ter deitado para a frente. tão escura e grande é a infância neste momento. e aqui, à entrada azul desta tarde que raia pelas vidraças deste escritório, eu levanto a cabeça hipnotizada como um objecto e sou uma solidão total, sou aquele afastamento afogado e ferido por entre os braços da minha morte rebentada nas ondas deste lugar tão vazio. eu penso isto tudo e, desculpem-me, desculpem-me mas eu não sei como pensar a minha vida se não nesta pureza das grandes noites do mundo, nesta magnífica e remota lembrança das roseiras, do nome extremo da minha mãe a florir folhas pequeníssimas por dentro dos sonhos. e tudo tão longe, tão absolutamente longe deste escritório.