sexta-feira, abril 21, 2006


'A realidade humana é o ser pela qual vem um sítio aos objectos. Numa palavra, a ausência define-se como um modo de ser da realidade humana relativamente aos lugares e sítios que ela própria determinou pela sua presença. A ausência não é um nada de laços com um sítio. A tua ausência define-se relativamente a um sítio onde tu próprio te deverias determinar a ser, mas pelo contrário, este mesmo sítio é delimitado agora como sítio não pelo sítio ou até por relações solitárias do lugar a ti próprio, mas pela presença de outras realidades humanas. É relativamente a outros homens que tu estás ausente. A ausência é um modo de ser concreto; é um laço entre realidades humanas, não entre realidade humanas e mundo. A ausência é por conseguinte um laço de ser entre duas ou várias realidades humanas que necessita de uma presença fundamental destas realidades umas para as outras e que não é, aliás, senão uma das concretizações particulares desta presença. Estar ausente é uma maneira particular de ser presente: a morte não é uma ausência. Só os mortos podem ser perpetuamente objectos sem nunca se tornarem sujeitos - pois morrer não é perder-se a objectividade no meio do mundo: todos os mortos estão aí, no mundo, em volta de nós; mas é perder toda a possibilidade de se revelar como sujeito a um outrem.'


Jean-Paul Sartre, O ser e o nada - Ensaio de ontologia fenomenológica, trad. G. Cascais Franco, pp.288-289; 306.