terça-feira, junho 13, 2006


- Mais alto! disse. Para colher as melhores cerejas era preciso chegar mais alto. Era uma árvore imensa e diante do inverno sei que era ela que sonhava a chuva na distância atravessada pelo campo. Mais tarde, pelo sol dentro lembro-me de ver aquele Homem no crepúsculo azul dos seus olhos. Era uma árvore que se abria grande para um bosque em memórias na resina vermelha do coração dos dias. Mais tarde, ao entardecer perante a mesma árvore deitada sobre o campo dedicava-se a terra à bruta lavoura dos insectos e dos pássaros perseguidos pela noite. Abre-se a memória. A minha. A tua. Os insectos. As esferas líquidas de suor perante o centeio na tarde abafada e cinzenta. As mãos do meu pai. As ortigas, as ervas daninhas atormentadas pela chuva contra a madeira derramada pelo chão destinado ao sol e à sombra. - Mais alto!, disse, de súbito. E a terra era este braço de uma voz quente como um estábulo acendido entre o calor e água. Cereja a cereja. Fruto a fruto. Mão a mão. Dois a dois, como que mostrando que a solidão é a mais profunda marca da vida.