quinta-feira, setembro 14, 2006



estou deste lado do portão, com a mão esquerda ligeiramente levantada para o abrir. tenho as mãos muito pequenas outra vez. outra vez. as mãos pequenas no portão verde. naquele portão que um dia foi de um amarelo que florescia o silêncio e eu próprio o pintei de verde naquelas tardes que faziam quase doer os dias. entro em casa. hoje. ainda está sol. se fecho os olhos. por acaso. desatam-se as cicatrizes e adormeço nos bolsos das calças de uma criança. naquele tempo. lembro-me. aquele cão era do meu tamanho. e ladrava pela rua como novelos que se desenrolavam. desajeitados. pensei nisto. se fecho os olhos. oiço tudo. na tristeza debruada dos frutos por cima da mesa de minha mãe. do som cinza e devastado das mulheres deitadas sobre a luz. e depois eu sou o meu corpo que se debruça de torso branco. e posso sentar-me na cama. e de olhos fechados sulco imediatemente os lençóis desfeitos para trás e sou um corpo em seixo mudo embrulhado no frio murado daquele ladrar. tão longe, tão longe no céu redondo da transparência. se fecho os olhos. se fecho os olhos. vejo quando de manhã me levanto de sobressalto e ainda está sol. se fecho os olhos tenho os olhos fechados. e vejo aquele portão. o único portão. despenhado e luminoso. nas minhas mãos. que se mexem devagar. na eternidade.