sábado, fevereiro 24, 2007



Eram tempo de uma grande tristeza. O Filho do Homem caminhara noite e dia durante séculos e séculos na solidão infinita de ocupar um lugar no aberto das cidades e da terra. Chegava hoje ao cimo de uma montanha vazia e tinha o cabelo comprido na grande imagem do céu que perante os seus olhos se estendia. Caminhara dias e noites na minúcia dolorosa de uma viagem tacteada pela divisão das paisagens tresmalhadas, pelas noites sem vizinhos ou amigos junto à cerca dos fugitivos e dos transviados nos pontos mais altos da noite. Para si não guardara uma única manhã; viajava desde há muito já sem olhar, já sem ouvir ou tactear. Nada o guiava. Tinha feito de si a distância mais pura e sem a leveza das nuvens, tinha feito de si a tristeza mais funda das vedações do haver um para ti e o para além de mim nas fronteiras indecifráveis de tudo o que deve morrer. Hoje, o principezinho, chegava ao cimo daquela montanha estéril. Não sabia já em que direcção havia de morrer e desmachara tudo na raiva de haver degraus mais altos do que podia decidir enquanto se afogava sem nada. Olhou então para o cimo do céu e naquela noite de uma luz muito azul a criança de peito agrilhoado na órbita quotidiana do tempo deixou repousar um pouco o corpo. Cansado caía e na melodia da carne exaurida e estéril, no instante em que fechava os olhos, o seu espírito lembrava-se do agasalho das asas do amor, de uma infância sonora na quietude das plantas e dos animais, de um silêncio que só era lentamente interrompido no escutar atento da força da vida nas nervuras dobradas e centrais das folhas muito verdes nas plantas. O Homem caía; caía sozinho e no fim, logo antes do princípio do mundo, dentro de sua alma, havia um só precipício: a verdadeira noite. Sem nada. Sem palavras nem tempo.