terça-feira, novembro 22, 2005


Descalço e só, estou no meu quarto e sei que lá fora choves de mansinho. Próximo do soalho tranquilo os meus olhos espalham-se húmidos e animais por uma escuridão bordada a notas de um piano em crepúsculo. É verdade; ainda há pouco eu dizia quase sem querer que hoje mesmo te tinha escrito uma carta. Não era de certeza muito longa, acho. Lá fora chove. Enquanto te escrevia choveu a tarde inteira, sabias? Agora, à noite, estou aqui sentado e os meus olhos floresta deambulam talvez no pensamento do que te escrevi. Era uma carta assim suavemente branca, diria. Na verdade, reparo agora que não me recordo o que te escrevi. Recosto-me para trás e entreabro os lábios enquanto me afogo na sombra que o candeiro projecta sobre o chão de madeira. Continuas a chover, murmuro baixinho numa voz muito rouca. Inclino o rosto para o chão num movimento lento acompanhado pelo torso também, como os pés, nu. Se o correio não se atrasar amanhã verei certamente o que te escrevi hoje. É que todas as cartas que ainda hoje te escrevo têm-me a mim próprio por destinatário.