sábado, dezembro 31, 2005


Chegava este último dia do ano e lembro-me bem de eu ficar toda a tarde aqui esquecido, esquecendo os dias muito sentados à minha frente. Estendido pelas minhas ferramentas o meu rosto desenhava-se em rugas e assim, com o cuidado das mãos na madeira, apagavam-se as cicatrizes quentes dos meus sonhos. Lembro-me de todas as tardes eu estar aqui e toda a minha vida estar tão ali, tão plácida quanto os dias. como se tudo pudesse realmente ter sido assim. nesta espécie de sensibilidade extrema, tão extrema como uma eternidade possível e de uma ternura que me crescia pelos ombros batendo as asas. nas árvores. lá fora, detrás da garagem cuidada, lembro-me bem das árvores e de um poço de água muito negra. tão negra como o pêlo musgo de todas as mulheres da minha memória e das minhas mãos. lembro-me bem. e os anos contínuam a passar. e eu lembro-me bem de me teres dito, inclinado para o trabalho, que o tempo passou atrás dos anos entornados assim pelos dias.