Extintos os pássaros contra a noite despe-se a luz do dia na incandescência dos lábios vermelhos rentes à montanha. Grandes devem ser as feridas do mundo para que todos os dias o céu se dilua tão completamente em bolsas de sangue. Ao jantar, lembro-me bem, sou só eu. Eu que no rastro frio da memória da noite penso nas grandes cerejeiras que se levantam para o céu com junto à montanha, sob as pálpebras puras do céu. Ah estes dias. Aqui há tanta gente que vocês não vêem. uma realidade invisível cheia de outros mundos, na pluralidade do criado. com grandes rostos espantados e redondos através da luz baça. eu vejo toda a minha família junto a mim. infinita. como um esmagador infinito de infinitos. e no entanto nada mais sou se não isto. esta consciência tantas vezes rasa de que existo. aqui. fechado. irreparavelmente circunscrito neste círculo de sensações. objecto vivo e animal que desce sobre a mesa plácida perto da luz, sento-me. quando chego e casa. e eu sou de uma impureza que logo se denuncia. pelos dedos. pela mão. pelo talher meticulosamente disposto diante de mim. diante de mim nesta distância. de eu ser. de haver este poder ser. na vulnerabilidade tangível mais só que a solidão inteira. por eu ser sempre, este sempre inatingível centro de um orgulho opaco. e eu podia ser Deus, um deus em mim na suavidade horrorosa do tempo, um deus que se torna 'eu' neste amontoado impuro de coisas vistas e reais. um deus que se perfaz em sonhos, em pensamentos de regresso por causa da última carência. da culpa. destes muros calcinados de papoulas vermelhas abandonadas pela esperança na pura solidão desta viagem. e eu digo. nem que eu chegue a casa e me deite a dormir, nem que eu conheça as paredes eburneas do meu crânio. em nada me posso saber, pai. em nada me posso saber porque de cada vez que em esforço me tento iluminar uma mesma parte de mim se apaga na inconsciência. e aí, nessa longa noite para lá das ondas azuis que se reflectem no mar pardo, extinguem-se os meus pássaros. e contra a noite eu sou o som, o alimento da minha cama e a flor do campo. e contra a noite pesa-me o coração como um mel escuro num olhar que envelheceu dentro dos olhos.
sábado, junho 17, 2006
Extintos os pássaros contra a noite despe-se a luz do dia na incandescência dos lábios vermelhos rentes à montanha. Grandes devem ser as feridas do mundo para que todos os dias o céu se dilua tão completamente em bolsas de sangue. Ao jantar, lembro-me bem, sou só eu. Eu que no rastro frio da memória da noite penso nas grandes cerejeiras que se levantam para o céu com junto à montanha, sob as pálpebras puras do céu. Ah estes dias. Aqui há tanta gente que vocês não vêem. uma realidade invisível cheia de outros mundos, na pluralidade do criado. com grandes rostos espantados e redondos através da luz baça. eu vejo toda a minha família junto a mim. infinita. como um esmagador infinito de infinitos. e no entanto nada mais sou se não isto. esta consciência tantas vezes rasa de que existo. aqui. fechado. irreparavelmente circunscrito neste círculo de sensações. objecto vivo e animal que desce sobre a mesa plácida perto da luz, sento-me. quando chego e casa. e eu sou de uma impureza que logo se denuncia. pelos dedos. pela mão. pelo talher meticulosamente disposto diante de mim. diante de mim nesta distância. de eu ser. de haver este poder ser. na vulnerabilidade tangível mais só que a solidão inteira. por eu ser sempre, este sempre inatingível centro de um orgulho opaco. e eu podia ser Deus, um deus em mim na suavidade horrorosa do tempo, um deus que se torna 'eu' neste amontoado impuro de coisas vistas e reais. um deus que se perfaz em sonhos, em pensamentos de regresso por causa da última carência. da culpa. destes muros calcinados de papoulas vermelhas abandonadas pela esperança na pura solidão desta viagem. e eu digo. nem que eu chegue a casa e me deite a dormir, nem que eu conheça as paredes eburneas do meu crânio. em nada me posso saber, pai. em nada me posso saber porque de cada vez que em esforço me tento iluminar uma mesma parte de mim se apaga na inconsciência. e aí, nessa longa noite para lá das ondas azuis que se reflectem no mar pardo, extinguem-se os meus pássaros. e contra a noite eu sou o som, o alimento da minha cama e a flor do campo. e contra a noite pesa-me o coração como um mel escuro num olhar que envelheceu dentro dos olhos.
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