segunda-feira, julho 24, 2006


Será que amanhã te lembrarás de mim? Será que ter sido o teu porto de abrigo me bastou para que pudesses sobreviver à morte? O principezinho mal tinha começado a sua jornada. Quando aqui chegou sorriu, porque ninguém lhe tinha dito que as cidades eram lugares amordaçados pela necessidade colérica dos dias. Ainda assim o principezinho sorriu. virou-se ligeiramente de costas e sem dizer adeus, caminhava outra vez tacteando pelo escuro dos dias arrasados. Será que amanhã te lembrarás de mim?, perguntava. Será que as distâncias podem ser trespassadas por punhos de sangue amigo? Breve é a vida em nós, disse baixinho o rapaz de corpo magro. Uma só linha nos liga, uma só vida nos atravessa, porém breve é o tempo do espírito. O pássaro aninhou-se, então, pelas noites fora nas mãos de uma criança. Todos os dias, de hora a hora, dava-lhe de comer como se tudo ali estivesse. como se todo o universo ali estivesse, vertido, concentrado e suspenso em duas patinhas pequeninas. em dois olhos negros como os de um cavalo. em duas asas resumido. E no entanto, perante o maravilhoso de haver um poder haver ser, perante o espanto de alguma coisa poder, e bastava-lhe isso, os olhos do principezinho choravam. e nos restos da pobreza um sorriso largo brotava-lhe das mãos para os ombros e rutilante abria-se nos lábios. Assim era a noite. numa canção arrancada aos sonhos.