Se eu regressar não morrerei. se eu regressar não morrerei. se eu regressar não morrerei, repetia, sentindo pela primeira vez a terra nas mãos. ou as mãos na terra. mas o acontecia era um sentir diferente. tão diferente. porque pela primeira vez teve dúvida de quem ali sentia o quê. se a terra. se eu próprio, pensava. se eu regressar não morrerei, repetia enquanto por dentro segurava o único sonho que ainda trazia consigo. era um sonho de asas muito azuis, um sonho que batia de repente as pálpebras numa imaginação que se rasgava em imagens pelas pestanas em corola abertas. e pela primeira vez, Cristo chorava. chorava porque sentia umas mãos que o tocavam com o ruído dos ossos. com uma carne regular na concavidade dos dedos. e grão a grão, esquecendo, mexendo-se devagar naquela cicatriz de haver pálpebras, o principezinho continuava a descer, caminhando escuro pela noite solitária e cada vez mais lenta através dos esconsos caminhos da memória. quando eu era criança este sonho azul não era ainda um sonho, pensei. e o coração daquela criança enchia-se de sofrimento através dos traços que das imagens se soltavam em luz. pelas pestanas. em neve. se eu regressar. se eu regressar não morrerei. e dizia estas palavras. estas palavras com uma luz muito azul dentro do espaço aberto entre as pálpebras e a pele. se eu regressar. e abria e fechava os olhos. como as asas de um pássaro. ou de uma borboleta. se eu regressar, não poderei morrer. não poderei esquecer. as imagens. a minha mãe. as imagens como grandes manchas. através daquela rapariga tão mansa e de trigo adormecida nos trapos. as borboletas e as pálpebras. o corredor imóvel, agora dobrado sobre o peito. perdido. tão perdido. ouve. pai. se eu regressar, morrerei sempre.
sábado, fevereiro 24, 2007
Se eu regressar não morrerei. se eu regressar não morrerei. se eu regressar não morrerei, repetia, sentindo pela primeira vez a terra nas mãos. ou as mãos na terra. mas o acontecia era um sentir diferente. tão diferente. porque pela primeira vez teve dúvida de quem ali sentia o quê. se a terra. se eu próprio, pensava. se eu regressar não morrerei, repetia enquanto por dentro segurava o único sonho que ainda trazia consigo. era um sonho de asas muito azuis, um sonho que batia de repente as pálpebras numa imaginação que se rasgava em imagens pelas pestanas em corola abertas. e pela primeira vez, Cristo chorava. chorava porque sentia umas mãos que o tocavam com o ruído dos ossos. com uma carne regular na concavidade dos dedos. e grão a grão, esquecendo, mexendo-se devagar naquela cicatriz de haver pálpebras, o principezinho continuava a descer, caminhando escuro pela noite solitária e cada vez mais lenta através dos esconsos caminhos da memória. quando eu era criança este sonho azul não era ainda um sonho, pensei. e o coração daquela criança enchia-se de sofrimento através dos traços que das imagens se soltavam em luz. pelas pestanas. em neve. se eu regressar. se eu regressar não morrerei. e dizia estas palavras. estas palavras com uma luz muito azul dentro do espaço aberto entre as pálpebras e a pele. se eu regressar. e abria e fechava os olhos. como as asas de um pássaro. ou de uma borboleta. se eu regressar, não poderei morrer. não poderei esquecer. as imagens. a minha mãe. as imagens como grandes manchas. através daquela rapariga tão mansa e de trigo adormecida nos trapos. as borboletas e as pálpebras. o corredor imóvel, agora dobrado sobre o peito. perdido. tão perdido. ouve. pai. se eu regressar, morrerei sempre.
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