António Lourenço, 21 de Dezembro de 2008.
Na Faculdade tive um Professor de Ética que por mais tempo que eu viva nunca esquecerei. O meu Professor de Ética ensinou-me como ninguém que só o ser que deve ser tem poder. Que o fenómeno Vida é justamente esta ilusão breve do poder de narrativa: qualquer ser vivo - desde o unicelular ao complexo organismo de um animal - é um processo sistemático de auto-manutenção das suas fronteiras. Lembro-me das suas aulas. De como transpirava de olhos fechados enquanto as palavras lhe saíam da boca como por magia. Tudo é um processo, dizia. Um mecanismo ingénuo de persistência, assegurava. A mente não é diferente da matéria e ainda assim não se pode dizer dela que seja matéria, nem sequer se pode dizer dela que seja uma propriedade da matéria; matéria, mente e vida são feitas da mesma não-matéria que constitui todas as coisas. Uma sociedade, qualquer sociedade, é um fenómeno de emergência auto-sustentado entre populações de organismos interdependentes e comunicantes - tal qual um organismo é de igual modo um fenómeno emergente que aparece ao existir entre populações de células interdependentes. Lembro-me de cada uma das suas aulas. Lembro-me que depois delas durante vários anos sabia de cor os dias e os temas correspondentes de cada aula que ele deu. Lembro-me de si muitas vezes. Comecei a imaginar; a pensar e a ver narrativas de vida enormes. Se me abeirava de um rio muitas eram as vezes que me perdia apenas só por pensar como aquele rio era um sistema complexo de vidas dentro de vidas, de sistemas e sub-sistemas inter-penetrados na brevidade do tempo e daquele espaço. Com o tempo, o Professor foi crescendo dentro de mim. Queria-lhe dizer isto, porque queria que sentisse orgulho de mim. Queria dizer-lhe que o Professor fez de mim o homem que sou. Este que veste a gravata para o trabalho todos os dias e sorri e gosta de ser simpático com todos os seres. Eu que falo com todos os animais e que sei falar também com o céu e com a terra só porque sei que são o mesmo que eu. Só há um fenómeno real de existência que é este: o Universo. Dentro dele há apenas regiões maiores ou mais pequenas, mais dependentes ou menos; mas todas interagem com todas em laços e redes de causalidade que só por inércia ou ignorância nossa se poderiam resumir às meras correntes de causa-efeito. Mentes, sociedades, átomos ou ideias são coisas com a mesma discritude que lutam pela sua coerência, estabilidade e pela sua história num tempo que também as perfaz. Tudo isto mudou para sempre a minha vida. Lembro-me de ter olhado para cada uma das fotografias que tinha em minha casa naquela altura e de sentir que tudo o que até então tinha por intelectualmente assegurado estava profundamente errado. Lembro-me de pensar, por exemplo, que em cada uma daquelas fotografias eu não estava ali realmente.
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