quarta-feira, maio 14, 2008



Estando ele sentado naquele jardim vigiando a sós, todos de quando em vez se aproximavam dele com um sorriso de amizade ou uma palavra amiga. Ao final da tarde pôs-se então à mesa com os que lhe eram mais próximos e um só dos seus amigos reparou com um espírito atento o que ali acontecia de forma quase imperceptível. Olhando à volta só ele notava como o principezinho naquele dia não tinha deixado nada ao acaso. Enquanto comiam e bebiam o céu e a luz misturavam-se com ele no centro daquela mesa: sentados no chão, o principezinho guardava uma posição vertical que contrastava estranhamente com a horizontalidade de toda a terra. Assim apareciam também os que lhe eram próximos: verticais numa terra fechada por uma horizontalidade de espírito. Ninguém se lembrava de ter alguma vez visto uma tarde tão luminosa. O principezinho, no centro daquela mesa, dividiu e distribuiu o pão por todos. Ninguém reparava, mas de vez em quando o principezinho fechava os olhos e entristecido pensava para si próprio: em verdade, em verdade, todos os que hoje comem comigo vão um dia trair-me. Poucos o conseguiam sentir, mas naquele dia fez-se um grande silêncio por toda a terra. Depois, pegava com a mão num copo e bebia com eles dialogando para si próprio naquele silêncio: uma destas noites todos vós vos escandalizareis por minha causa e todos me negarão quase sem olhar para trás. Concentrado em si o principezinho via um homem sozinho e deitado ao leme de um barco muito grande. Sentia-se cada vez mais frágil e perdido no mar. Se tentava observar o horizonte não via o céu nem sequer o azul que então lavrava. Subia e descia mastros, montava e desmontava velas conforme a ferocidade dos ventos nas trevas, mas cada vez se sentia mais só e mais fraco. Talvez o principezinho tivesse agora percebido: ainda que todos o queiram, talvez ninguém tenha o poder de estar infinitamente com alguém. E sentado naquele jardim o principezinho continha muitas vezes o choro e o ranger dos dentes relativos à escuridão que o assombrava. Mas outras vezes conseguia confiar em tudo, doado em grande confiança ao que ainda assim havia naqueles dias.