domingo, dezembro 21, 2008


Cada fotografia provava que eu não existia. Se por um lado sou um processo sistemático de auto-manutenção, por outro lado estou em constante fluxo e nenhum átomo que há uns anos me constituia faz hoje parte de mim. Lembro-me de sentir isto com sangue. De pensar em mim como uma nuvem, um sistema de evaporação e condensação de água que vai despertando outros processos no seu suposto exterior. Comecei naquele tempo com pensamentos cada vez mais estranhos; a ser verdade tudo isto não haveria 'coisas' tal qual os esquemas comuns de consciência nos habituaram. Conforme as gotas caem no chão assim aquecem, re-evaporam e de novo, chegadas ao céu, condensam e o processo continua enquanto a sua eternidade durar. Eu próprio, pensava, enquanto olhava as minhas mãos, eu próprio sou um conjunto de células especializadas e não há grandes razões para referir em mim um indivíduo ou por outro lado uma colónia de indivíduos. Com o tempo comecei a desacreditar, a deixar de ter fé na existência de objectos discretos perdidos para o vazio de uma completude independente. Tudo o que eu vejo faz parte da mesma superficíe - e não é uma colecção de coisas cindidas por separações objectivas. Eu vi tudo cada vez mais como uma superfície contínua; depois adicionava-lhe o ar, o mar, as rochas e a terra debaixo delas como um volume contínuo. Com o tempo adicionei a tudo isto eu próprio. E aí eu vi radicalmente que não se tratava de uma 'superficíe' ou de um volume porque não poderia haver nada fora dele. Lembro-me daquelas aulas de Ética ainda hoje. Ainda hoje estudo Filosofia por tudo isto. Lembro-me de ter chorado nelas. Muito devagar e em silêncio porque naquela altura tinha de vergonha de dizer, de ouvir, de olhar, de estar aberto e atento ao que me era dado à presença.