sábado, maio 19, 2007


eu fecho os olhos e a estrada leva-me em frente. no alcatrão frio da noite nenhuma palavra se diz enquanto cego procuro o caminho. eu fecho os olhos e a estrada leva-me em frente, mãe. eu sei. eu lembrei-me. arrumei o quarto antes de sair. arrumei a luz na casa antes de sair. e agora atravesso a noite sozinho e repito no silêncio mastigando a memória quase transparente: os meus olhos querem abrir-se. hoje, cego, de pálpebras emaranhadas no vento e no lume dos carros que circulam, apaga-se em mim a força de poder caminhar sem medo. eu sei mãe. eu sei. eu não me esqueci de fechar o portão de casa. e dentro de mim, lá fora, pisando em sangue as roseiras ardidas, eu fecho os olhos e a estrada. fecho o mundo e o duro alcatrão leva-me em frente. pouco a pouco, ao mesmo tempo que me extingo, cessa em mim o trabalho das chamas. e eu, eu fico cada vez mais só. tão só como nunca nenhum homem esteve. tacteio. procuro. mastigo a memória nas imagens. e através dos meus olhos abertos em chagas eu vejo somente o meu olhar fechado.