incendiava o telhado de colmo do pequeno império que tinha até então criado. incendiava-o com a sua própria força na raiva da sombra e do cansaço. do cansaço que lhe queimava os ombros de veado e veludo. sabia de cor o tamanho da sua cidade. sabia de cor o tamanho do céu que em tempos tinha criado. mas agora, ao longe, agora, sentado na montanha ao entardecer, olhava deslumbrado o arder magnânimo dos telhados. no ar. era como um veado feito de rosas e escrito ao vento. também ele incendiado. na raiva. das mãos. violentamente deitado na indestrutível firmeza do mármore de dor que o perpassava. como um veado feito de gestos leves e cansados no pêlo sujo e ferido. estava de joelhos junto à cinza que lhe caía no rosto transpirado e as mãos tremiam-lhe ligeiramente. ninguém o ouvia. doía-lhe o cimo daquela montanha inteira na força de arder inclinado para o chão. doíam-lhe as crinas em fogo. os cavalos por cima do fogo aos clarões. doíam-lhe as aves no silêncio da pele, doía-lhe o desprender dos telhados em folhos e rendas muito brancas. doía-lhe aquele vento que o apunhalara apenas por trinta dinheiros. doía-lhe a criança, o pão ázimo de sua infância. doíam-lhe os dias do calor de sua mãe. dos dias em que ela lhe cortava o cabelo junto ao espelho. na luz minuciosa da manhã. doíam-lhe os joelhos. porque morria de dorso sangrado. doía-lhe o movimento do mundo. na saudade do cabelo cortado por sua mãe. na saudade do equilíbrio. doía-lhe a estranha claridade que agora dançava nas nuvens e no fumo. doía-lhe o fogo-fátuo da saudade. porque ele morria. na memória do baloiço vazio. na memória dos caminhos verdes de menino. dos grandes cisnes ao relento. na resina dos ramos, nas pétalas e no escuro húmido das folhas e das mulheres desabotoadas sobre a cama no calor da tarde. porque o principezinho morria. incendiado no poema. nos ramos que se quebravam para o suicídio na sombra das escarpas. na abandonada dor das paredes das casas despovoadas. na tristeza estéril do seu sangue que escorria em murmúrio para o chão.
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