domingo, agosto 19, 2007



Os meus pais não sabiam. Ninguém poderia alguma vez saber que a mais árdua tarefa seria a de proteger-me de mim próprio. Na mansidão das pernas esticadas depois do amor, bocejam as luzes dentro do meu peito e se estou acordado durante o dia aguardo os passos mornos dos caçadores de animais. Não sabiam. Os meus pais não sabiam. que as folhas, as minhas folhas escritas de palavras e ramos acesos duram no azul da água onde a lua e os beijos se deitam longe de mim nas mulheres. não sabiam, não poderiam saber que sem querer vou-me apagando lentamente nas asas do escuro e que devagar mergulho no corredor imóvel. estendo os braços. será manhã? lembro-me de estar nu num quarto. nessa altura eu teria talvez dez ou onze anos. lembro-me de haver um pássaro. um pássaro amarelo nesse quarto. lá longe. dentro de uma casa que se curvava a pouco e pouco. e de haver só eu e aquele pássaro nas minhas mãos dentro do ar quente daquela divisão. será noite? será dia? rasgo os vidros nos dedos. cai o azul do céu espreitando o que as minhas páginas respiram. o meu nome? devagar separo os dias. esqueço. se me aproximo. se ardo. ao canto do quarto. se escolho os sonhos. daquele pássaro. sou nada e caio sobre as veias na asma dos dias.