Lembro-me de pensar nela como um grande animal vivo que abanava o dorso ao vento com as folhas. Lembro-me de ter visto a terra debaixo daquela árvore; vi-a ali mesmo no meu coração, nas minhas mãos e na luz eléctrica que banhava aquele hospital naquela noite. Foi graças a si que eu vi que a luz é feita também de terra. Que tudo é feito da mesma não-coisa. Que a matéria é apenas uma pequena região da forma; como o hardware é uma simples variedade do software: não existe, não há nada a que se possa essencialmente chamar de 'coisa'. Tudo são padrões de auto-manutenção em sequências sistemáticas de causas e efeitos múltiplos. O Universo não é feito de 'coisas' mas de eventos e relações. E que o ser vivo é aquele tipo de ser que deve ser - e que o ser vivo é aquele a quem é dado a benção de estar obrigado a tudo, a todos os seres e a toda a história. Lembro-me de ter chorado naquele corredor. De me ter ajoelhado por dentro por me sentir tão livre por estar paradoxalmente tão obrigado a tudo aquilo. De me sentir antigo e herdeiro de uma tradição que não é nem centenária nem milenar, mas que durou, dura e durará todo o tempo do Universo. Sinto-me pequeno, hoje. Tão pequeno, mãe. E sei que vou descansado contigo. Que tu conduzes, mãe. Que a esta hora já olhaste para mim dentro do crepúsculo desta estrada e que me vais proteger tanto quanto tudo pode ser protegido na sua fragilidade constitutiva. Sei que olhas por mim. Que não te distrais nunca. Que cada ser que eu sou, sou-o no modo da fragilidade extrema e de uma vulnerabilidade que faz nascer em ti o tal imperativo da responsabilidade que obriga à consideração pelo todo. Lembro-me de si como eu quero lembrar. Foi aquele que me fez chorar através de uma ternura genuína e transbordante. Lembro-me de si hoje. Lembro-me de ti. Por me teres mostrado a lei de que tudo é tão belo e breve.
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